quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Inocência perdida

A brincadeira de hoje foi um "Polícia e ladrão", com o intuito de desenvolver a compreensão e aceitação de regras nas turmas de primeiro ano (crianças de 06 anos).

Dividi as crianças em dois grupos, os "ladrões" e os "policiais", e notei que neste momento uma delas, R., um garoto de família problemática e vida conturbada que costuma estar sempre agitado, encontrava-se cabisbaixo e desanimado. Ainda sem dar muita atenção ao ocorrido, continuei a divisão dos grupos e a explicação da brincadeira.
Assim que a brincadeira começou, R., que era do time dos "policiais", sentou-se um tanto quanto longe de onde a brincadeira se desenvolvia, ainda cabisbaixo. Chamei-o para a brincadeira, mas sem sucesso. Pouco tempo depois, demonstrando vontade de participar, mas ainda hesitando em um aparente conflito interno, ele veio até mim e com semblante entristecido, disse algo do tipo:
"Professora... sabe por que eu não queria brincar? É que meu pai me mostrou um filme. A rota. E os policiais matavam os ladrões, e os ladrões matavam os policiais, e eu achei muito feio."
Por um momento tive pena. E disse a ele que só estávamos brincando e fazendo de conta, e que ele não se tornaria malvado por participar da brincadeira.
E então ele decidiu participar.

Ao chegar em casa, pesquisei a sinopse do filme, e me espantei ainda mais. É um filme que nem eu em minha estranha adultisse gostaria de ver. E me fez pensar. Que tipo de pai faz uma criança de 06 anos de idade assistir a um filme desses?

Enquanto na televisão as notícias trágicas são espetacularizadas, os pequenos são obrigados a digerir tudo isso na velocidade da luz. E normaliza-se a violência. E banaliza-se a sexualidade, a imagem humana e o sofrimento. E esgota-se dia após dia a inocência e a beleza da infância...

Triste.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

07 de setembro, dia cívico. O famoso desfile foi cancelado por causa da gripe, e as escolas foram orientadas a fazer uma comemoração interna.
Fui então, neste belo dia, até a escola à qual vou todas as segundas-feiras. A comemoração contou com um abundante número de três pais e menos de meia-dúzia de crianças. Cantamos o hino enquanto dois dos pequenos seguravam a pesada bandeira, com os bracinhos doendo. Depois eles recitaram uma pequena poesia e c´est finite. A coordenadora pôs-se, então, a agradecer a presença daquelas pessoas, afirmando que se não fosse por eles, ficaríamos ali sem público. Um dos adultos, que na verdade era avô de uma das crianças, num sorriso gentil respondeu:
"A escola faz tanto por nós, por que é que não viríamos!?"

E com a singela frase, distinta de tantas outras negativas que ouço de pais, o senhorzinho me alegrou pelo resto do mês. Queria ter dito obrigada.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Hoje, primeiro dia de aula, me deparei com uma dúvida que poderia deixar qualquer professor iniciante louco, se não fosse tudo aquilo que nos disseram na faculdade: Será que eu sou mesmo importante!?

Mais uma vez volto a falar dos pequenos... os pequenos menores, eu digo! É cada vez mais incrível como tudo, absolutamente tudo, é novidade para eles.

Hoje, dois dos pequenos se distraíram e foram para o gramado bem próximo à grade que separa a escola da rua. Nada mais comum. Eu comecei a chamá-los pelo nome, mas de nada adiantava. Eles olhavam fixamente para um ponto mais à frente da rua, e um deles, ainda sem nem olhar pra mim, fez com uma das mãos aberta o sinal de "espera!". Eu os chamei novamente, mas recebi a mesma resposta. Já um pouco mais irritada, comecei a andar na direção deles para buscá-los. Foi quando passou um trator bem moderno (deve ter outro nome que não trator) carregando dois grandes rolos de sei lá o quê. Os dois ficaram maravilhados. E logo todo o resto da sala também.
Sem que eu percebesse, estávamos todos parados olhando a grande máquina, e eu só consegui voltar à aula minutos depois que ele passou.

E me fez pensar.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

A Tia Aline é uma gente grande louca.

O andamento das aulas é sempre uma surpresa, mas são os pequenos (média de 3 anos) que me encantam ainda mais.
Durante uma das brincadeiras, uma das crianças protesta: "Tiiiiia, eu ainda não fui!". Minha reação foi responder: "Ah, eu também não!".
E que raciocínio rápido têm os pequenos! Aquele que brincava no momento, que deveria escolher outra criança para dar sequência à atividade, deu um sorriso maroto e escoheu a Tia Aline. E lá me fui, correndo feito um deles, a brincar.
A reação da turma foi esplêndida. Alguns me olhavam com estranhamento e dúvida, outros com admiração e brilho nos olhos. O que devia passar pela cabecinha de muitos era: "Como assim a Tia Aline está brincando!? Ela não é gente grande!?"
Quando me sentei, uma das crianças me olhou ainda sorrindo e perguntou: "Tia, por que você correu?"
E eu respondi, rindo e ainda brincando com a reação: "Porque era a minha vez de brincar, oras! Não posso brincar não?"
Ela apenas permaneceu me olhando e sorrindo por um longo tempo até que sua atenção pudesse voltar à brincadeira.

Acho que se os pequenos pudessem formular uma resposta sobre o que são os adultos, eles diriam algo do tipo: "Adulto é uma gente grande. Uma gente grande que não brinca e tamém não ri muito. E elogia as crianças muito menos do que critica. E fica bravo quando a gente não fica sentado. Sei lá por qual motivo, mas hoje a Tia Aline foi um adulto diferente. Acho que ela é meio louca."

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Incompreensíveis diferenças

Hoje escrevo uma reflexão sobre um acontecimento que envolve uma das questões mais polêmicas da educação na atualidade: a inclusão. Pasmo diariamente sobre quão igualmente maravilhosa e difícil pode ser a tarefa de incluir alunos com necessidades especiais nas aulas! O exemplo pode deixar claro:
L. é uma menina linda, de 4 anos de idade, cujo diagnóstico ainda não é totalmente identificado. Alguns acreditam ser autista leve, outros DM leve, e outros, ainda, não sabem definir nem de longe o que a faz ser assim, notável.
Certas vezes, L. se interessa pelas atividades; outras vezes, a terra molhada parece interessar-lhe bem mais (e que sujeira ela fica quando resolve se interessar pela terra molhada ao invés da aula!). Minha vitória até então sempre foi conseguir fazer com que ela participasse das atividades como os demais, mas às vezes, enquanto a observava correr e brincar, ficava me indagando se aquele movimento faz algum sentido para ela ou se o faz apenas por imitação dos colegas. Se é mesmo uma vitória minha ou um simples conformismo.
Na última aula, arrumei um colchonete para que os pequenos experimentassem (alguns pela primeira vez na vida) a sensação de virar uma cambalhota. Imaginei por alguns longos minutos se conseguiria fazer com que L. também experimentasse. Para a minha surpresa, ela rapidamente levantou-se e posicionou-se para que eu pudesse ajudá-la. E lá se foi. Ela rolou e deu uma grande e espontânea gargalhada, depois saiu dando muitos pulinhos com as mãos para o alto e um enorme sorriso, como sempre costuma fazer quando está satisfeita. Mais três ou quatro vezes ela repetiu o movimento e também as expressões de alegria. Depois disso, difícil mesmo foi fazê-la entender que os amigos também queriam brincar e que só havia um colchonete para todos!
A cada expressão de alegria dela, meu coração se alegrava também. Naquele dia, me acalmei, porque soube que o mais importante não é compreender o que aquilo significa para ela, mas saber que significa.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

A beleza de imaginação infantil

Já ao final da aula cujo principal foco foi um circuito historiado envolvendo alguns elementos ginásticos simples, a turma de maternal (crianças de 2 a 3 anos de idade) se mostrava inquieta e com imensa expectativa de que algo mais pudesse acontecer. A insistente e esperançosa pergunta de todas as aulas não poderia deixar de acontecer: "Tem mais bincadeila, tia!?".
Sem poder rejeitar aquele inocente pedido de liberdade, entreguei a cada criança uma corda individual, e disse a eles que cada um poderia inventar um jeito de brincar com ela. Começaram timidamente, arrastando a corda por uma das pontas ou tentando (sem sucesso, obviamente) pulá-la como tradicionalmente se faz com cordas desse tipo. Alguns minutos depois, entretanto, foram surgindo formas surpreendentemente ricas de utilização do brinquedo. Perto do portão, alguns meninos brincavam de pescar, arremessando uma das pontas para baixo e fingindo apanhar peixes enormes. Um pouco mais abaixo, duas garotinhas cantavam algo ininteligível na simples corda que havia se tornado um excelente microfone. Vara de pescar, microfone, cobra, coleira de cachorrinho e boca de baleia, dentre tantas outras variações que provavelmente nem percebi.
Ao final da aula, tive a maior dificuldade em retirar as cordas dos pequenos e juntá-los para retornarem a sala. O trabalho foi tanto que por um momento achei q perderia minha voz e minha sanidade, mas algum tempo depois, senti que tudo havia valido a pena.
No caminho pra casa, refleti sobre como a vida adulta é um saco. Mostre a um adulto uma corda de sisal e pergunte a ele do que se trata e pra que serve. 99% das pessoas certamente diriam: "é uma corda de sisal e serve para amarrar coisas".
Que chatisse, não? Talvez devessemos aprender um pouco mais com os pequenos.

Introducing

Saudações, amigos.

A criação deste blog surgiu da idéia de registrar publicamente percepções e reflexões sobre meu trabalho com a Educação Física Infantil.

Após cada aula espero escrever sobre algo que me chamou a atenção durante o dia, numa tentativa de girar o famoso ciclo "ação-reflexão-ação", abrindo espaço também para possíveis comentários, ajudas e identificações.

Benvindos a todos, e espero que a leitura seja agradável ao menos àqueles que minimamente se preocupam com a educação.