terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Sobre Livros. Demonstra de forma clara o quanto é difícil escolher um deles!

"Já na vitrine da livraria, identificou a capa com o título que procurava. Seguindo esta pista visual, você abriu caminho na loja, através da densa barreira dos Livros Que Você Não Leu que, das mesas e prateleiras, olham-no de esguelha tentando intimidá-lo. Mas você sabe que não deve deixar-se impressionar, pois estão distribuídos por hectares e mais hectares os Livros Cuja Leitura É Dispensável, os Livros Para Outros Usos Que Não a Leitura, os Livros Já Lidos Sem Que Seja Necessário Abri-los, pertencentes que são à categoria dos Livros Já Lidos Antes Mesmo De Terem Sido Escritos. Assim, após você ter superado a primeira linha de defesas, eis que cai sobre sua pessoa a infantaria dos Livros Que, Se Você Tivesse Mais Vidas Para Viver, Certamente Leria de Boa Vontade, Mas Infelizmente Os Dias Que Lhe Restam Para Viver Não São Tantos Assim. Com movimentos rápidos, você os deixa para trás e atravessa as falanges dos Livros Que Tem A Intenção De Ler Mas Antes Deve Ler Outros, dos Livros Demasiado Caros Que Podem Esperar Para Ser Comprados Quando Forem Revendidos Pela Metade do Preço, dos Livros Idem Que Poderia Pedir Emprestados A Alguém, dos Livros Que Todo Mundo Leu E É Como Se Você Também Os Tivesse Lido. Esquivando-se de tais assaltos, você alcança as torres do fortim, onde ainda resistem os Livros Que Há Tempos Você Pretende Ler, os Livros Que Procurou Durante Vários Anos Sem Ter Encontrado, os Livros Que Dizem Respeito A Algo Que O Ocupa Neste Momento, os Livros Que Deseja Adquirir Para Ter Por Perto Em Qualquer Circunstância, os Livros Que Gostaria De Separar Para Ler Neste Verão, os Livros Que Lhe Faltam Para Colocar Ao Lado De Outros Em Sua Estante, os Livros Que De Repente Lhe Inspiram Uma Curiosidade Frenética E Não Claramente Justificada."


(Se um viajante numa noite de inverno - Ítalo Calvino)

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Injustiças disciplinantes

Este ano peguei uma das turmas mais difíceis com as quais já trabalhei. São crianças tão carentes e perturbadas que o trabalho é realmente dobrado, e algumas vezes, infelizmente, parece inútil no meio de tanta confusão mental que esses pequenos vivem.

Algumas das crianças são difíceis de lidar. É muito frequente ver monitoras e funcionárias aos gritos, pegando crianças pelo braço bruscamente e dando umas broncas que até eu tenho medo! O M. é uma dessas crianças. Além de perder a atenção constantemente, ele lida com pequenas frustrações aos gritos, choros e bastante violência.

Hoje, quando cheguei pra buscá-los na sala, o M. estava sentado em um canto da secretaria, de castigo, e qualquer movimento dele gerava um grito da secretária. A professora me pediu pra decidir se ele iria pra aula ou não.
- Eu vou deixar ele ir - Eu disse, mentalmente dizendo - É claro que ele vai! É um direito dele... não sou prêmio e nem castigo.
E chamei o M. Claro que conversei com ele antes, disse que ele precisava ficar bonzinho e tudo mais... e ele mesmo sabia que se não ficasse, seria pior pra ele.

Já na primeira brincadeira, todo mundo se divertindo, menos o M. Ele estava tão ansioso que não conseguia participar. E não demorou muito pra sair aos gritos e chorando alto. Foi pra trás de um pilar e lá ficou. Enquanto isso, eu fiquei maquinando uma forma de fazer esse pobre coitado ter algum sucesso, qualquer um que fosse, contrariando tudo que ele tinha passado naquele dia...
Mas... pra o azar do coitado, bem nessa hora a secretária veio me passar um recado. Viu o M. em seu pequeno "chilique". Antes que eu pudesse reagir ela o pegou pelo braço e o levou à força novamente pro seu cantinho na secretaria. A coordenadora apareceu pra ajudar na operação e aí é que eu fiquei sem voz, de vez.
E pronto, lá se foi o coitado, cumprir seu castigo sem motivo... por não ter aprendido o que ninguém ensinou, por não ter entendido o que ninguém explicou e por ser nada mais nada menos do que uma simples criança confusa, perturbada e negligenciada.

Nessas horas, a impotência é o que mais dói. Felizmente ou infelizmente, por necessidade estou aprendendo a lidar com ela...

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Inocência perdida

A brincadeira de hoje foi um "Polícia e ladrão", com o intuito de desenvolver a compreensão e aceitação de regras nas turmas de primeiro ano (crianças de 06 anos).

Dividi as crianças em dois grupos, os "ladrões" e os "policiais", e notei que neste momento uma delas, R., um garoto de família problemática e vida conturbada que costuma estar sempre agitado, encontrava-se cabisbaixo e desanimado. Ainda sem dar muita atenção ao ocorrido, continuei a divisão dos grupos e a explicação da brincadeira.
Assim que a brincadeira começou, R., que era do time dos "policiais", sentou-se um tanto quanto longe de onde a brincadeira se desenvolvia, ainda cabisbaixo. Chamei-o para a brincadeira, mas sem sucesso. Pouco tempo depois, demonstrando vontade de participar, mas ainda hesitando em um aparente conflito interno, ele veio até mim e com semblante entristecido, disse algo do tipo:
"Professora... sabe por que eu não queria brincar? É que meu pai me mostrou um filme. A rota. E os policiais matavam os ladrões, e os ladrões matavam os policiais, e eu achei muito feio."
Por um momento tive pena. E disse a ele que só estávamos brincando e fazendo de conta, e que ele não se tornaria malvado por participar da brincadeira.
E então ele decidiu participar.

Ao chegar em casa, pesquisei a sinopse do filme, e me espantei ainda mais. É um filme que nem eu em minha estranha adultisse gostaria de ver. E me fez pensar. Que tipo de pai faz uma criança de 06 anos de idade assistir a um filme desses?

Enquanto na televisão as notícias trágicas são espetacularizadas, os pequenos são obrigados a digerir tudo isso na velocidade da luz. E normaliza-se a violência. E banaliza-se a sexualidade, a imagem humana e o sofrimento. E esgota-se dia após dia a inocência e a beleza da infância...

Triste.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

07 de setembro, dia cívico. O famoso desfile foi cancelado por causa da gripe, e as escolas foram orientadas a fazer uma comemoração interna.
Fui então, neste belo dia, até a escola à qual vou todas as segundas-feiras. A comemoração contou com um abundante número de três pais e menos de meia-dúzia de crianças. Cantamos o hino enquanto dois dos pequenos seguravam a pesada bandeira, com os bracinhos doendo. Depois eles recitaram uma pequena poesia e c´est finite. A coordenadora pôs-se, então, a agradecer a presença daquelas pessoas, afirmando que se não fosse por eles, ficaríamos ali sem público. Um dos adultos, que na verdade era avô de uma das crianças, num sorriso gentil respondeu:
"A escola faz tanto por nós, por que é que não viríamos!?"

E com a singela frase, distinta de tantas outras negativas que ouço de pais, o senhorzinho me alegrou pelo resto do mês. Queria ter dito obrigada.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Hoje, primeiro dia de aula, me deparei com uma dúvida que poderia deixar qualquer professor iniciante louco, se não fosse tudo aquilo que nos disseram na faculdade: Será que eu sou mesmo importante!?

Mais uma vez volto a falar dos pequenos... os pequenos menores, eu digo! É cada vez mais incrível como tudo, absolutamente tudo, é novidade para eles.

Hoje, dois dos pequenos se distraíram e foram para o gramado bem próximo à grade que separa a escola da rua. Nada mais comum. Eu comecei a chamá-los pelo nome, mas de nada adiantava. Eles olhavam fixamente para um ponto mais à frente da rua, e um deles, ainda sem nem olhar pra mim, fez com uma das mãos aberta o sinal de "espera!". Eu os chamei novamente, mas recebi a mesma resposta. Já um pouco mais irritada, comecei a andar na direção deles para buscá-los. Foi quando passou um trator bem moderno (deve ter outro nome que não trator) carregando dois grandes rolos de sei lá o quê. Os dois ficaram maravilhados. E logo todo o resto da sala também.
Sem que eu percebesse, estávamos todos parados olhando a grande máquina, e eu só consegui voltar à aula minutos depois que ele passou.

E me fez pensar.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

A Tia Aline é uma gente grande louca.

O andamento das aulas é sempre uma surpresa, mas são os pequenos (média de 3 anos) que me encantam ainda mais.
Durante uma das brincadeiras, uma das crianças protesta: "Tiiiiia, eu ainda não fui!". Minha reação foi responder: "Ah, eu também não!".
E que raciocínio rápido têm os pequenos! Aquele que brincava no momento, que deveria escolher outra criança para dar sequência à atividade, deu um sorriso maroto e escoheu a Tia Aline. E lá me fui, correndo feito um deles, a brincar.
A reação da turma foi esplêndida. Alguns me olhavam com estranhamento e dúvida, outros com admiração e brilho nos olhos. O que devia passar pela cabecinha de muitos era: "Como assim a Tia Aline está brincando!? Ela não é gente grande!?"
Quando me sentei, uma das crianças me olhou ainda sorrindo e perguntou: "Tia, por que você correu?"
E eu respondi, rindo e ainda brincando com a reação: "Porque era a minha vez de brincar, oras! Não posso brincar não?"
Ela apenas permaneceu me olhando e sorrindo por um longo tempo até que sua atenção pudesse voltar à brincadeira.

Acho que se os pequenos pudessem formular uma resposta sobre o que são os adultos, eles diriam algo do tipo: "Adulto é uma gente grande. Uma gente grande que não brinca e tamém não ri muito. E elogia as crianças muito menos do que critica. E fica bravo quando a gente não fica sentado. Sei lá por qual motivo, mas hoje a Tia Aline foi um adulto diferente. Acho que ela é meio louca."

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Incompreensíveis diferenças

Hoje escrevo uma reflexão sobre um acontecimento que envolve uma das questões mais polêmicas da educação na atualidade: a inclusão. Pasmo diariamente sobre quão igualmente maravilhosa e difícil pode ser a tarefa de incluir alunos com necessidades especiais nas aulas! O exemplo pode deixar claro:
L. é uma menina linda, de 4 anos de idade, cujo diagnóstico ainda não é totalmente identificado. Alguns acreditam ser autista leve, outros DM leve, e outros, ainda, não sabem definir nem de longe o que a faz ser assim, notável.
Certas vezes, L. se interessa pelas atividades; outras vezes, a terra molhada parece interessar-lhe bem mais (e que sujeira ela fica quando resolve se interessar pela terra molhada ao invés da aula!). Minha vitória até então sempre foi conseguir fazer com que ela participasse das atividades como os demais, mas às vezes, enquanto a observava correr e brincar, ficava me indagando se aquele movimento faz algum sentido para ela ou se o faz apenas por imitação dos colegas. Se é mesmo uma vitória minha ou um simples conformismo.
Na última aula, arrumei um colchonete para que os pequenos experimentassem (alguns pela primeira vez na vida) a sensação de virar uma cambalhota. Imaginei por alguns longos minutos se conseguiria fazer com que L. também experimentasse. Para a minha surpresa, ela rapidamente levantou-se e posicionou-se para que eu pudesse ajudá-la. E lá se foi. Ela rolou e deu uma grande e espontânea gargalhada, depois saiu dando muitos pulinhos com as mãos para o alto e um enorme sorriso, como sempre costuma fazer quando está satisfeita. Mais três ou quatro vezes ela repetiu o movimento e também as expressões de alegria. Depois disso, difícil mesmo foi fazê-la entender que os amigos também queriam brincar e que só havia um colchonete para todos!
A cada expressão de alegria dela, meu coração se alegrava também. Naquele dia, me acalmei, porque soube que o mais importante não é compreender o que aquilo significa para ela, mas saber que significa.